Confira a seguir a íntegra da entrevista com Achilles P. Arbex, gerente geral da AMT (Association For Manufacturing Technology).
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1. Por suas características, a crise da COVID-19 afetou indústrias em todo o mundo. Quais foram os impactos no cenário americano?
Iniciamos o ano de 2020 com uma grande surpresa, a pandemia, e sem muita clareza sobre o desdobramento desta crise sanitária e como a disseminação do vírus afetaria a indústria e economia nos diversos lugares do globo. O que sabíamos era que os efeitos da pandemia seriam rápidos e devastadores, ao passo que as relações de negócio seriam evidenciadas ou, no mínimo, colocadas à prova.
2. Quais foram as primeiras reações à crise executadas pelas indústrias nos EUA?
Em um primeiro impacto vieram os cancelamentos de eventos e viagens de negócios, que a longo prazo causariam uma diminuição nos volumes de negócios. Logo em seguida a cadeia de suprimentos foi em geral impactada, em principal pela redução dos níveis de produção das plantas industriais localizadas na China.
A partir de então, a quarentena, as políticas de distanciamento social e o fechamento de fronteiras afetaram as indústrias dos mais variados segmentos. O ritmo de trabalho foi então modificado à medida que os novos procedimentos de distanciamento foram implementados.
3. Algum país ou região tinha um cenário que possa ser considerado mais bem preparado para esse tipo de crise? Que boas práticas podemos citar nesse sentido?
Nenhuma indústria trabalha em isolamento, assim como nenhuma economia funciona bem em atmosfera de isolamento. Entretanto, para os EUA, a desaceleração da economia chinesa representava dois grandes desafios: uma cadeia de suprimentos sem muita atividade vivendo um momento de abalo em suas relações comerciais e uma reduzida demanda dos consumidores.
Utilizando o automóvel de passeio como exemplo: este é composto por algo em torno de 30.000 peças, fabricadas por uma vasta cadeia de fornecedores situados em múltiplas países. A perturbação da cadeia automotiva foi tão grande que, mesmo considerando a existência de acordos como EUA-México-Canada (USMCA), a produção Chinesa de componentes essenciais afetou os níveis americanos da indústria automobilística.
Gigantes americanos como a General Motors e Fiat Chrysler se apoiaram na China para a produção de componentes chaves como dobradiças de portas, componentes eletrônicos e de suspensão/direção. Dados os laços estreitos entre os países do USMCA, a perturbação se espalhou pelas cadeias mexicanas e canadenses, devastando ainda mais uma economia altamente produtiva e com altíssima perspectiva.
A indústria de circuitos e semicondutores dos EUA, representando cifras na ordem de USD 54 bilhões, é a maior fornecedora de diodos, microcircuitos, chips de memória e outros semicondutores. Com a cadeia chinesa voltada para a produção de componentes de telecomunicação e equipamentos eletrônicos de alto valor agregado, a indústria de circuitos e semicondutores americana sofreu. A China representa um consumo de aproximadamente 26% da produção americana deste setor, o que nos indica apenas uma breve ideia do quão grande foram as perdas geradas pela redução de demanda dos produtos manufaturados nos EUA.
Vieram então os pacotes de ajuda do governo. Estes programas foram lançados em diferentes fases e somariam USD 3 trilhões, o que certamente colaborou para a recomposição da indústria no geral.
4. Como a tecnologia pode ajudar as indústrias de manufatura durante e após essa crise? É possível dizer que a COVID-19 acelerou os processos de transformação digital?
As tecnologias emergentes se consolidaram assim como o futuro dos negócios. As empresas mais e mais enxergam a transformação digital como necessidade, mesmo enquanto há dúvidas e desafios quanto a sua implantação.
O setor de tecnologia está repleto de chavões e frases, com a transformação digital sendo um desses termos que muitas empresas aspiram a empreender. Porém, quando confrontados com a realidade, sua implementação é difícil enquanto conduzimos os negócios como de costume. No entanto, existem exemplos impressionantes em que as empresas mudaram de curso e transformaram seus negócios, integrando a tecnologia digital para mudar fundamentalmente a maneira como operam e como agregam valor aos clientes.
5. Indústrias que já estavam mais adiantadas na aplicação dos conceitos de indústria 4.0 terão menos dificuldades para passar por esse momento incerto? Quais fatores serão decisivos para a retomada da produção industrial no mundo?
Transformar um negócio dessa maneira não é simples e requer uma tremenda quantidade de coragem e liderança visionária. Os elementos principais incluem: migração de sistemas locais para nuvens híbridas, modernização de software financeiro e operacional, melhoria da experiência do cliente usando a tecnologia e criação de um ambiente de trabalho mais dinâmico e flexível. Em resposta às nossas “lições de casa” e outras medidas de bloqueio devido à pandemia do COVID-19, muitas empresas adotaram alguns desses elementos, usando a tecnologia por necessidade; esse afastamento dos negócios normais pode ser o primeiro passo significativo no caminho da transformação digital.
Embora permitir que a força de trabalho seja flexível seja apenas uma pequena parte da transformação digital, esta traz consigo a necessidade de garantir que os serviços sejam implementados com segurança. Os dispositivos precisam ser protegidos contra muitos tipos de riscos, incluindo roubo e interferência. O uso de criptografia de disco, habilitar autenticação multifatorial forte e usar a tecnologia VPN para acessar dados são apenas considerações mínimas a serem feitas. Os aplicativos e as ferramentas para permitir a produtividade remota precisam ser examinados e configurados para proteger os dados e o material confidencial da empresa, e os colaboradores precisam estar mais conscientes de golpes como phishing, além de manter o mais alto nível de comprometimento comercial para com a comunicação.
A recuperação dessas experiências passadas ocorreu de várias formas. Muitas empresas criaram equipes de resposta a emergências que escreveram um novo protocolo para abordar vários elementos da logística total de suprimentos. Eles incluíram tudo, desde o gerenciamento melhor e simples das profundidades dos itens de inventário “A & B” até a localização de fontes alternativas de suprimento, até o controle das opções de logística.
6. Qual será o legado dessa crise para a indústria?
Acredito que a maior lição que todos estão tirando dessa crise é a necessidade de cadeias de suprimentos mais localizadas e robustas. Existe um nível crítico de autossuficiência de fabricação, necessário para os interesses econômicos, de saúde e de segurança nacional. Em segundo lugar, acredito que a clara proposta de valor que níveis mais altos de automação proporcionam em tempos de distanciamento social e capacidade limitada de viajar – a automação pode aumentar essa lacuna e manter os níveis de produção elevados, ao mesmo tempo em que apoia a segurança do trabalhador.
Achilles P. Arbex ingressou na AMT como General Gerente do Centro de Tecnologia AMT São Paulo em Sorocaba, Brasil, em maio de 2013. Achilles se formou em Engenheiria de Automação e Controle e pós-graduado em Gerenciamento Estratégico de Projetos do ITA – Instituto de Tecnologia Aeronáutica em São José dos Campos, SP, Brasil. Antes da posição atual na AMT, Achilles ocupou cargos na ZF Brasil, ZF Alemanha e Dana Industries. A experiência de Achilles envolve desenvolvimento de negócios e investimento industrial no Brasil em empresas nacionais e internacionais e em vários segmentos industriais, incluindo automotivo, aeroespacial, elétrico e eletrônico, petróleo e gás, energia alternativa e outros.