Tenho idade para me lembrar da propaganda dos biscoitos Tostines que dizia: “vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho porque vende mais?”. Somente em 2002 houve a fusão das marcas Nestlé e Tostines, e a partir de então a tradicional marca de biscoitos começou a ceder espaço para a marca unificada dos Biscoitos Nestlé. Nos anos seguintes, a empresa suíça retirou do mercado ou renomeou os produtos para sua própria marca.

O “efeito Tostines” tem sido usado como metáfora para explicar muita coisa. No mundo corporativo, o jogo de palavras também vale. Ganha muito dinheiro porque inova ou é inovadora porque ganha muito dinheiro? A verdade é que não é fácil, por muitas vezes, entender a correlação entre causa e efeito.

Quando a gente fala de inovação, logo vem à cabeça ter uma ideia criativa e fantástica. Mas saibam que criatividade não é o maior desafio. O complicado é a gestão desta ideia criativa e o retorno pretendido – o famoso payback.  Fazendo uma provocação: qual foi o payback do seu primeiro smartphone? Você ganhou dinheiro comprando um smartphone? Você aumentou sua renda por ter um smartphone nas mãos? Em muitíssimos casos, a resposta certamente será um sonoro não.

Mas o que teria acontecido com você, caro leitor, se você continuasse a utilizar um telefone fixo somente? A pergunta nos remete a quais são os benefícios indiretos da inovação, senão dinheiro? De acordo com James Andrew e Harold Sirkin no livro “PAYBACK – A Recompensa Financeira da Inovação” é: conhecimento, marca, ecossistema e organização. Dando continuidade à nossa analogia, em termos de conhecimento, se você ainda não tivesse um smartphone, como você se sentiria quando alguém lhe falasse de aplicativos? E se lhe oferecessem um QR Code, o que você faria? Como você estaria pagando as contas? No meio da pandemia, como compraria online?

A mesma coisa acontece na indústria: devemos contabilizar não somente os ganhos em dinheiro, mas o conhecimento e sua existência. O preço a pagar se a indústria não entrar nas novas tecnologias é o ostracismo global. Assim como falamos de globalização, eu lanço aqui o termo ostracização. O ostracismo ateniense era um dispositivo político usado para exilar ou banir da cidade-estado algum cidadão que representasse algum tipo de ameaça à ordem democrática. Havia uma votação e o método de registrar o voto envolvido era colocar o nome em um pedaço de cerâmica quebrado chamado ostrakon; o voto, por sua vez, chamava-se, ostrakizein, dando-nos ostracismo.

Sem conhecimento de inovação, o nome da sua empresa ficará escrito em um pedacinho de cerâmica quebrada e você e sua empresa estarão banidos naturalmente da competição global.  Ostracização é fazer contas pensando somente em lucro colocando em risco a perpetuação do seu negócio esquecendo-se que o aprendizado que não se transforma em fluxo de caixa agora pode se transformar futuramente. Pesquisa, investigação, conhecimento tomam tempo para se transformar em fluxo de caixa. Para ter fluxo de caixa você deve ter fluxo de conhecimento.

Ainda segundo James Andrews, o processo de inovação sempre produz conhecimentos, alguns dos quais podem ser imediatamente postos em ação, em mais de uma maneira, para gerar lucro. Usando as palavras de Claus Weyrich, da Siemens, “o dinheiro talvez não seja a resposta completa”. Inovar é uma questão de aquisição de um conhecimento novo.  O cuidado deve ser entre o binômio ideia e conhecimento para comercializar esta ideia. Por isso, criatividade não é o problema. O perigo e a solução, ambos, estão no modelo de negócios a ser adotado. Por exemplo: a tecnologia necessária para desenvolver o primeiro celular propriamente dito foi criada em 16 de outubro de 1956, e o telefone móvel com essa tecnologia em 3 de abril de 1973. E criar um modelo negócios nos levou aos anos 90.

Parafraseando Fernando Pessoa, “navegar é preciso, inovar não”. Trilhamos sempre o caminho das incertezas.