A história da Kodak acabou virando icônica. É triste, pois muitos de nós ainda se lembram dos prazeres de comprar filmes, tirar fotos e revelar. Ainda lembramos de como era deixar o filme no fotógrafo e ir buscar as fotos quase uma semana depois. Da alegria de chegar em casa e mostrar as fotos, inclusive aquelas em que o seu dedo estava na lente ou mesmo aquele filme que havia escapado do carretel da máquina. Saudosismos a parte, com o que hoje é arcaico, a Kodak ganhava muito dinheiro e tinha receitas de US$ 4 bilhões, algo próximo de US$ 50 bilhões em dólares de hoje na década de 1970.
É até um exagero a Kodak ter se transformado em um exemplo triste de decadência, pois várias outras empresas passaram e passam pelo mesmo processo, que chamo agora de Kodakização.
Pela minha definição, kodakização seria possuir uma inovação técnica ou saber o caminho desta inovação, mas a corporação não possuir as habilidades essenciais (cérebro) e vontade (musculatura) para arregimentar seu exército de colaboradores rumo ao futuro, preferindo lucros maiores com tecnologias tradicionais a curto prazo, não conseguindo enxergar a ponta do nariz, mas enxergando muito bem o umbigo.
Explico agora: em 1975, Steve Sasson, engenheiro da Kodak inventou uma câmera digital capaz de tirar fotos de até 0.1 megapixel. A companhia ainda continuou desenvolvendo tecnologias nesta linha: em 1986, uma câmera de 1 megapixel. Mas, a companhia não levou as câmeras digitais para o mercado pois tinha medo de que isso acabasse prejudicando as vendas de filmes e câmeras tradicionais.
A indústria brasileira está se kodakizando?
Em 1985 a participação da indústria no PIB brasileiro chegou a 48%. Em 2019, tempos pré-pandêmicos, estava em 21,4%.
Produção de certas peças automotivas como carburadores, platinados, distribuidores estão sob a mesma lápide dos filmes coloridos da Kodak. Atualmente, à exemplo da Kodak que já conhecia a fotografia digital e, portanto, conhecia o futuro, mas não foi nesta direção, nós também sabemos para onde temos que ir: mais eletricidade e eletrônica no lugar de mecânica. Software. Inteligência Artificial. Internet. Comutação quântica. Optoeletrônica. Plasmônica. Tecnologia de carbono no lugar de silício.
Independente dos detalhes dos próximos capítulos, aprendemos que existem variáveis não controláveis como uma epidemia, por exemplo. Contudo, as tendências acima são implacáveis.
Se não eletrificarmos nossa indústria, certamente o cemitério ficará abarrotado de empresas. As soluções estão chegando, mas muitos estão aferrados à sua forma de fazer negócios com medo de perder dinheiro. E provavelmente não perder muito mais que dinheiro: vão perder tudo.
Como diria Peter Drucker, “As oportunidades de uma empresa residem fora dela, no ambiente em que está inserida”. Aumentar a eficiência operacional não salva a empresa, apenas adia a morte – são cuidados paliativos. Melhorar a qualidade, diminuir downtime de equipamentos, ter uma logística mais eficiente são ações que levam a uma melhor utilização de recursos, devem ser feitas, mas não salvará sua empresa da morte. Não é estratégia competitiva e, portanto, não te dará uma vantagem competitiva.
Muitos me perguntam o que fazer quando leem minhas provocações. Uma pitada de autoajuda, não gosto muito, mas vai lá. Os fatores que devem servir de reflexão são:
- Conhecimento não é crítico. Crítico é a capacidade de aprendizado incessante, que exige construção e desconstrução. Conhecimento é coisa antiga e fora de moda. Na prateleira ou no Google, o conhecimento envelhece de qualquer forma.
- Você deve fazer ou saber alguma coisa que é difícil e, difícil de ser copiado também. Se for fácil, você será copiado e tchau-tchau vantagem competitiva.
- A liderança deve ser um motor identificando as competências essenciais para o futuro e se preparar e preparar seu pessoal para este futuro. Liderança não é só para saber quando termina o trimestre.
Descansar em paz não é para a nossa indústria. Isto não nos dará paz.