Você já parou para pensar de onde vêm as inovações que movem a nossa indústria? Muitas vezes, imaginamos a ciência e a pesquisa como atividades que acontecem em torres de marfim, distantes da realidade do chão de fábrica. Essa visão, no entanto, é um resquício do passado. A verdade é que, hoje, a parceria entre universidade e indústria se tornou um pilar importante para novas criações no setor.

No Brasil, esse relacionamento, embora reconhecido como crucial para a competitividade de qualquer país, ainda enfrenta um paradoxo. Estatísticas mostram que a participação das universidades no desenvolvimento tecnológico é historicamente baixa, com menos de 3% das firmas inovadoras no país relatando colaboração com instituições de ensino.

Este cenário de “gap” entre o ideal e a realidade é o que torna essencial aprofundar a discussão sobre como construir e fortalecer essa ponte.

O que é a parceria entre universidade e indústria?

A parceria entre universidade e indústria pode ser definida como uma colaboração estratégica que une recursos, conhecimento e expertise para alcançar um objetivo comum. Trata-se de uma sinergia na qual cada parte contribui com sua força intrínseca.

A academia, com seu foco em pesquisa de ponta e desenvolvimento de capital humano, e a indústria, com sua capacidade de comercializar e aplicar novas tecnologias para resolver problemas reais de mercado.

O modelo de inovação mais referenciado atualmente é o da “Hélice Tríplice”, que envolve a interação dinâmica entre universidade, empresa e governo. Esse arranjo é considerado fundamental para o desenvolvimento social e econômico, pois descentraliza a inovação e a insere em um ecossistema colaborativo.

gráfico sobre parceria entre universidade e indústria

A pandemia de COVID-19 serviu como um catalisador, demonstrando a urgência e a eficácia dessa conexão, à medida que universidades produziram álcool em gel, desenvolveram ventiladores pulmonares e criaram softwares para hospitais em tempo recorde, provando que a colaboração é o caminho possível e estratégico para gerar respostas rápidas em momentos de crise.

Qual é o papel da universidade?

Tradicionalmente, o propósito principal da universidade é formar pessoas e gerar pesquisas. No entanto, o seu papel vem evoluindo de um mero centro de ensino para um ator central no sistema nacional de inovação. A universidade se tornou uma verdadeira “âncora para o desenvolvimento econômico” , capaz de transformar a economia e fomentar a sociedade.

Essa mudança de mentalidade é impulsionada, em parte, por políticas públicas. A CAPES, por exemplo, passou a incluir a colaboração industrial como um dos critérios de avaliação da pós-graduação, criando um incentivo sistêmico para que a academia olhe para além de seus muros e aplique o conhecimento gerado.

O caso da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) ilustra perfeitamente essa transformação. A instituição planejou se tornar uma referência na criação de empresas e, como resultado, doutorandos estão sendo contratados por companhias de tecnologia e ex-alunos estão liderando a contratação de profissionais qualificados no mercado.

O planejamento estratégico da Ufam, focado em empreendedorismo e alinhamento com a indústria, demonstra que a mudança de mentalidade na academia tem um impacto direto e mensurável na economia local e na empregabilidade.

Qual é o papel da indústria?

A indústria não é apenas a receptora da inovação; ela é o seu motor. De acordo com a Confederação Nacional da Indústria (CNI), o setor industrial é o que mais destina investimentos para pesquisa e desenvolvimento (P&D) no país. Além disso, a capacidade de inovar é considerada indissociável da existência de um tecido industrial competitivo.

Nesse cenário, o papel da indústria é multifacetado. Ela é a fonte de problemas e desafios reais que podem ser levados para a universidade, garantindo que a pesquisa acadêmica tenha uma aplicação prática e relevante.

estudantes interagindo com aparelho robótico de indústria

A indústria também fornece recursos, financiamento e a expertise necessária para comercializar as novas tecnologias. Empresas como a Petrobras, por meio de programas como o PEAT, demonstram a viabilidade financeira dessa colaboração.

A estatal do petróleo, por exemplo, obteve um ganho adicional de US$ 0,25 por barril após a instalação de uma tecnologia desenvolvida em parceria com a academia, comprovando que a união entre a capacidade de pesquisa e o foco na aplicação industrial gera um retorno financeiro tangível.

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Quais são os modelos de parceria entre universidade e indústria?

A colaboração entre universidade e indústria não se restringe a uma única forma. A diversidade de modelos reflete a complexidade do ecossistema de inovação e permite que as instituições e empresas encontrem a solução mais adequada às suas necessidades. A escolha do modelo ideal dependerá dos objetivos, do nível de maturidade e da natureza do desafio a ser abordado.

Os modelos mais comuns incluem projetos de P&D conjuntos, onde a universidade e a empresa trabalham em sinergia para aprimorar ou desenvolver novas tecnologias. Outra forma são as incubadoras e os parques tecnológicos, que funcionam como “hubs” de inovação, oferecendo infraestrutura e um ambiente que estimula a interação entre academia, empresas e centros de pesquisa.

O UPF Parque, por exemplo, atua como um facilitador estratégico para empresas que desejam se beneficiar de incentivos fiscais através da Lei da Informática.

A colaboração pode ser mais pontual, como a prestação de serviços por laboratórios universitários para testes e consultorias, ou mais abrangente, como programas de estágio que oferecem aos estudantes uma imersão na rotina corporativa e facilitam a busca por novos talentos.

A tabela a seguir resume os principais modelos de parceria, oferecendo um guia prático para gestores e profissionais do setor:

Modelo de Parceria Objetivo Principal Vantagens para a Indústria Vantagens para a Universidade Exemplo Prático
Projetos de P&D Conjuntos Desenvolver ou aprimorar novas tecnologias em conjunto. Acesso a conhecimento científico de ponta, divisão de custos e riscos de P&D, e aceleração do tempo de chegada ao mercado. Financiamento para pesquisa, aplicação prática do conhecimento gerado e fortalecimento da formação dos alunos. O Programa PITE da FAPESP com empresas como a Petrobras para otimização de processos.
Incubadoras e Parques Tecnológicos Criar um ecossistema de inovação, estimulando a interação entre academia, empresas e centros de pesquisa. Acesso facilitado a talentos, infraestrutura de pesquisa e networking, além de startups e tecnologias promissoras. Oportunidade de alocar projetos de pesquisa e extensão em um ambiente de aplicação real, atraindo financiamento e visibilidade. O UPF Parque, credenciado pelo MCTI para facilitar projetos de P&D na Lei da Informática.
Programas de Estágio e Co-op Oferecer experiência prática a estudantes e identificar novos talentos. Acesso a um fluxo contínuo de novos talentos e profissionais qualificados, com a possibilidade de testar habilidades antes da contratação. Exposição dos estudantes à rotina corporativa, aprimorando a formação e aumentando a empregabilidade dos egressos. A contratação de 40 ex-alunos da Ufam por uma empresa de tecnologia que se mudou para Manaus em busca de profissionais qualificados.
Acordos de Transferência de Tecnologia Transferir invenções e criações protegidas (patentes) da universidade para a indústria. Acesso a tecnologias prontas para comercialização, sem a necessidade de investir em P&D do zero, acelerando a inovação e o tempo de chegada ao mercado. Geração de receita para a universidade através do licenciamento de patentes, reinvestindo os recursos em novas pesquisas e infraestrutura. Licenciamento de uma patente desenvolvida em laboratório universitário para uma empresa do setor metal-mecânico para produzir um componente específico.

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Quais são os benefícios da colaboração?

A colaboração entre academia e indústria é, sem dúvida, uma via de mão dupla que gera ganhos para todos os envolvidos. A união da pesquisa de vanguarda com a capacidade industrial resulta em um aumento da competitividade em escala global.

Para a indústria, os benefícios são claros e mensuráveis. Há o acesso direto a pesquisas de ponta, a novos talentos e a recursos intelectuais que seriam caros e complexos de desenvolver internamente. Essa abordagem reduz os custos com P&D e acelera o ciclo de inovação.

Para a universidade, a parceria garante financiamento adicional para pesquisas e proporciona a aplicação real do conhecimento gerado, resolvendo problemas da sociedade. Essa interação também melhora significativamente a formação dos estudantes, que podem aliar a teoria à prática, adquirindo experiência valiosa para o mercado de trabalho.

Um dos indicadores mais claros desse sucesso é o aumento no número de artigos científicos publicados em coautoria por pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) com colegas do setor privado, um movimento que se intensificou na última década.

Além dos ganhos tangíveis, a colaboração fomenta um “modelo mental de compartilhamento, troca e respeito mútuo”. Essa mudança cultural é a base para a sustentabilidade da inovação a longo prazo, posicionando tanto a universidade quanto a empresa como organizações inovadoras, o que as torna mais atraentes para a nova geração de profissionais.

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Desafios da parceria entre universidade e indústria

Apesar de todos os benefícios, a colaboração não é um processo isento de desafios. A análise desses obstáculos é fundamental para construir uma parceria duradoura e eficaz. Uma das principais barreiras reside na diferença cultural e de ritmo entre as duas entidades.

As universidades operam com um foco em pesquisa de longo prazo e estão sujeitas a ciclos de desenvolvimento que podem ser mais lentos, enquanto as empresas buscam resultados rápidos e têm uma mentalidade voltada para a agilidade do mercado. Essa discrepância pode dificultar o alinhamento de expectativas e a comunicação.

três estudantes conversam entre si sobre parceria entre universidade e indústria e com auxílio de computadores e aparelhos de inovação

A burocracia é outro desafio significativo. A complexidade e a lentidão dos processos administrativos e contratuais, tanto na academia quanto nas empresas, podem comprometer a agilidade dos projetos. O caso da vice-presidente de Inovação da Eurofarma é um exemplo contundente, onde a empresa levou dois anos para assinar um contrato de intenções com uma universidade.

Isso demonstra que, mesmo após a criação de um Marco Legal favorável, a rigidez institucional e a falta de alinhamento operacional podem persistir, mostrando que a legislação, por si só, não resolve todos os problemas sem uma mudança cultural e operacional.

Além disso, questões de Propriedade Intelectual (PI) e confidencialidade são pontos críticos que precisam ser negociados com clareza. A definição de quem detém a propriedade das inovações e a necessidade de acordos de confidencialidade são aspectos que, se não endereçados, podem inviabilizar a colaboração.

A atuação de instituições como o INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial) e a ABPI (Associação Brasileira da Propriedade Intelectual) é essencial para mitigar esses riscos e formalizar o processo de proteção e licenciamento de invenções.

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Qual é o papel das políticas de fomento na inovação?

Para realmente se diferenciar em um mercado competitivo, aprofundar a discussão para além dos conceitos genéricos é crucial. É aqui que entra o papel do Estado, por meio de políticas de fomento, e a aplicação prática da colaboração no setor metal-mecânico.

As políticas públicas não são apenas regulamentações; elas são ferramentas financeiras e jurídicas projetadas para diminuir o risco e o custo da inovação para as empresas. O Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação (Lei nº 13.243/2016) é um conjunto de reformas que visa facilitar a cooperação entre instituições e empresas, simplificando a transferência de tecnologia e o licenciamento de criações.

Complementar a isso, a Lei do Bem (Lei nº 11.196/05) oferece incentivos fiscais significativos para empresas que investem em P&D. Essa lei permite, por exemplo, a dedução de 20,4% a 34% dos dispêndios com P&D no Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e na Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), além da redução de 50% no IPI para a compra de máquinas e equipamentos de pesquisa.

capa da lei do bem, importante para a parceria entre universidade e indústria

Esses mecanismos não apenas incentivam o investimento privado, mas também aproximam as empresas das universidades e institutos de pesquisa, potencializando os resultados.

No setor metal-mecânico, a colaboração com a academia é uma resposta direta às barreiras da Indústria 4.0, como a subexploração tecnológica e a escassez de profissionais qualificados. As universidades e centros tecnológicos estão se dedicando a resolver esses problemas.

O SENAI CIMATEC, por exemplo, oferece a primeira pós-graduação em manufatura aditiva para polímeros e metais, uma tecnologia central para a Indústria 4.0. Além disso, um projeto da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) na área de manufatura aditiva por deposição a arco se destacou em um edital de fomento, provando que a academia está ativamente envolvida em transformar o setor ao focar na fabricação de componentes metálicos funcionais para reposição.

Essa colaboração já gera resultados concretos em diversas regiões do Brasil. No Rio de Janeiro, a UFRJ impulsionou o número de artigos em coautoria com empresas, enquanto o sistema FIRJAN/SENAI desenvolve projetos com empresas como a Petrobras, fortalecendo o ecossistema de inovação local.

Em São Paulo, o MackGraphe da Universidade Presbiteriana Mackenzie firmou uma parceria com a Dini Têxtil, empresa do setor automotivo, para aplicar grafeno em tecidos e aumentar sua resistência, um projeto que beneficia diretamente a cadeia produtiva metal-mecânica.

Já no Rio Grande do Sul, um dos principais polos do setor no país , estudos de caso como o da joint venture entre a empresa brasileira Randon S/A. e a alemã JOST-Werke mostram como a colaboração estratégica pode alicerçar o desenvolvimento e a governança de novas empresas.

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O futuro da parceria entre universidade e indústria

A parceria entre universidade e indústria é uma necessidade estratégica para a competitividade do setor metal-mecânico no Brasil. A análise mostra que, embora existam desafios como a diferença cultural e a burocracia, a superação desses obstáculos é possível e compensadora.

O alinhamento de interesses, impulsionado por políticas de fomento como a Lei do Bem e o Marco Legal de CTI, tem transformado o cenário da inovação no país.

estudantes interagem com projeto robótico em sala de aula, com professor ao fundo avaliando

Os exemplos concretos de sucesso, especialmente em polos regionais e em áreas estratégicas como a Indústria 4.0 e a manufatura aditiva, demonstram que a união entre a capacidade acadêmica de gerar conhecimento e a força industrial de aplicá-lo é o caminho para o progresso.

A verdadeira inovação não está mais confinada a laboratórios isolados ou a linhas de produção fechadas; ela floresce na interseção entre o rigor da pesquisa e a dinâmica do mercado.

O futuro do setor metal-mecânico será construído por aqueles que enxergam a academia não como um mundo à parte, mas como um parceiro estratégico. A hora de atravessar a ponte, buscar a colaboração e transformar desafios em oportunidades é agora.

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